#19. Dicas para melhoria do acolhimento institucional para crianças e adolescentes no seu município
Promover a autonomia dos usuários nos serviços socioassistenciais é um objetivo permanente do SUAS
Vamos iniciar esse texto propondo um exercício. Imagine que você é uma criança ou um adolescente e precisou ser retirado do convívio de sua família. Como você se sentiria? Não é uma situação fácil de se imaginar, não é mesmo? Porém, de acordo com o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, em março de 2020, essa era a realidade de 34,8 mil crianças e adolescentes em acolhimento institucional no Brasil.
A convivência familiar e comunitária é um direito assegurado por meio de diversos dispositivos legais, como no Art. 277 da Constituição Federal, no Art. 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA e no Art. 4°, III da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS. Entretanto, diante de situações extremas vividas no contexto familiar como negligências, violências e violações de direito, a retirada de uma criança ou adolescente do convívio de seus responsáveis familiares pode ser realizada.

Uma vez necessário o acolhimento, a criança ou adolescente será atendida pelo Serviço de Acolhimento Institucional que compõe a Proteção Social Especial de Alta Complexidade do Sistema Único de Assistência Social:
Acolhimento em diferentes tipos de equipamentos, destinado a famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de garantir proteção integral. A organização do serviço deverá garantir privacidade, o respeito aos costumes, às tradições e à diversidade de: ciclos de vida, arranjos familiares, raça/etnia, religião, gênero e orientação sexual. (BRASIL, 2009. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais)
O acolhimento pode provocar diversos sentimentos nas crianças e adolescentes retirados do convívio de suas famílias: alguns podem ter sensações ambíguas, como alívio pela interrupção de uma violência vivida e saudade da família. Outros podem experimentar sentimentos de raiva, revolta, medo e inseguranças sobre o seu futuro. Vivências tão delicadas requerem cuidados para que a oferta do serviço não cause danos maiores do que a situação de rompimento de vínculos já provoca por si.
Para que o acolhimento ocorra de forma respeitosa, é preciso que as profissionais que trabalham nesse serviço sejam preparadas, por meio de educação continuada e escuta qualificada, para promover experiências reparadoras aos acolhidos. Este cuidado diante da ruptura dos vínculos familiares respeita a condição de cada criança ou adolescente como pessoa em desenvolvimento, reconhece a vulnerabilidade dos ciclos de vida da infância e da adolescência e possibilita a organização de ações com enfoque em potencialidades.
O desenvolvimento de potencialidades exige autoconhecimento, auto cuidado e autonomia, pontos que precisam estar presentes no Projeto Político Pedagógico da instituição e nos Planos Individuais de Atendimento (assista vídeo abaixo para saber mais):
Com o intuito de contribuir para a reflexão sobre a promoção da autonomia, separamos algumas dicas para auxiliar os (as) profissionais que atuam nos Serviços de Acolhimento Institucional a estarem atentos para o desenvolvimento desta capacidade nas crianças e nos adolescentes acolhidos:
1) Evite intervenções superprotetoras
Em razão da sensibilização pela história de vida dos acolhidos e na tentativa de amenizar os sofrimentos já vivenciados, os cuidadores do serviço podem exercer posturas superprotetoras, que não proporcionem e/ou não estimulem a autonomia das crianças e dos adolescentes. Nessa tentativa de proteção, muitas vezes, os desejos, singularidades e habilidades dos (as) acolhidos (as) podem não ser vistos ou ouvidos.
2) Busque tomar decisões democráticas
Também pode ser observada uma tendência, por parte dos profissionais, a padronizar uma rotina rígida aos acolhidos (as) visando facilitar a organização do serviço. Tal orientação impede que a criança e o adolescente participe ativamente de decisões sobre sua vida na instituição.
3) Conheça as fases do desenvolvimento humano
O conhecimento sobre as fases de desenvolvimento da infância e da adolescência e sobre o que é esperado em termos de habilidades para determinada faixa etária pode auxiliar os profissionais a estimular que a criança e/ou o adolescente desempenhe de forma independente atividades nas quais já tenha habilidade.
4) Respeite o ritmo de aprendizagem de cada um
Tenha paciência e respeite o tempo da criança e do adolescente para desempenhar alguma tarefa. A aprendizagem é um processo e cada indivíduo segue um ritmo. Valorize o esforço Priorize o esforço realizado para atingir um objetivo e não uma característica, como a inteligência. Veja um exemplo: “Maria, percebi seu esforço para dobrar, separar e guardar suas roupas e agora seu armário está muito organizado. Parabéns!” Com essa fala, o profissional estará despertando em Maria o interesse em desenvolver outras atividades que exijam cuidado e esforço e não apenas o interesse em receber um elogio.
5) Favoreça a realização de escolhas
Apresente situações para que os acolhidos possam exercer escolhas. O adulto norteará a seleção de um leque de opções que não violem os direitos das crianças e adolescentes e os acolhidos decidirão quais alternativas melhor lhes satisfazem. A escolha possibilita o conhecimento de gostos, a avaliação de riscos e permite lidar com ganhos e perdas.
6) Estimule a reflexão sobre atitudes
O diálogo e a ponderação sobre os efeitos que as atitudes causam a si mesmo, aos outros e ao ambiente permitem que as crianças e os adolescentes desenvolvam noções de responsabilidade.
7) Favoreça a resolução de problemas
Diante de situações difíceis, a criança e a adolescente poderá avaliar quais recursos e habilidades possui para resolver a questão ou se organizar para pedir ajuda quando necessário.
8) Prepare para o desligamento do serviço
Considere que o acolhimento deve ocorrer pelo menor tempo possível na vida das crianças e adolescentes. Realize ações que favoreçam e estimulem o desenvolvimento de projetos de vida fora da instituição.
As dicas apresentadas aqui não esgotam as possibilidades de intervenções para o desenvolvimento da autonomia em crianças e adolescentes acolhidos. O intuito é despertar nos profissionais da instituição a busca por referências e a observação de posturas exercidas; e nas gestoras o olhar para a importância da oferta de capacitação adequada e contínua às trabalhadoras do serviço.
Por fim, vamos resgatar novamente o exercício proposto no início deste texto: se você fosse a criança ou adolescente acolhido (a), como gostaria de ser tratado (a)?